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Stephanie de Mônaco, aqui estou, inteiro ao seu dispor... pra ouvi-la

September 20, 2020 by Jorge Wakabara in música, livro, beleza

Em 1986, uma princesa empunhou um microfone e decidiu cantar. Era Stephanie de Mônaco, a filha caçula do Príncipe Rainier com a estrela de cinema Grace Kelly. Contei um pouco dessa história no sexto episódio da segunda temporada de Quatrilho, o programa sobre música do meu podcast, mas foquei na música em questão, a Rendez-Vous. Aqui eu quero falar sobre a carreira inteira de cantora da musa Stephanie!

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Grace morreu por causa de um acidente de carro em 1982 no qual estavam ela e Stephanie. Ela não faleceu na hora, mas ficou inconsciente, chegou no hospital ainda viva e morreu lá.

A menina ia começar suas aulas em Paris e ambas, mãe e filha, precisavam pegar o trem para ir pra escola. Grace encheu o banco de trás do carro que ia levá-las para a estação de vestidos e, quando percebeu, não poderiam ir ela, Stephanie e o chofer – não ia caber. Ela não gostava de dirigir, mas decidiu que, naquela hora, tudo bem. E foram apenas as duas.

A morte foi uma comoção mundial, claro. Stephanie ficou traumatizada: não pôde comparecer ao funeral da mãe porque ainda estava em recuperação e, dizem, só a avisaram da morte para ela dois dias depois! Depois, enfrentou a especulação de que seria ela, com 17 anos, que estaria dirigindo o carro no acidente, portanto era a culpada. A princesa sobrevivente só conseguiu comentar o assunto em entrevista em 1989 pra um livro, Rainier and Grace: An Intimate Portrait, de Jeffrey Robinson.

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Caroline de Mônaco, a irmã mais velha, teria sido a única da família a falar com Stephanie sobre o acidente. Pra ela, a caçula disse que a mãe, que estava dirigindo sim, seguiu falando: “Não consigo parar. O freio não está funcionando. Não consigo parar". Stephanie teria puxado o freio de mão e mesmo assim o carro não parou e caiu numa ribanceira.

Circulava também o boato de que Stephanie teria bloqueado o acidente de sua mente, tamanho o trauma. Ela negou: “Lembro-me de cada minuto dele", disse em entrevista gravada para Jeffrey, "é que só nos últimos anos que comecei a enfrentar os fatos. Tive ajuda profissional e especialmente nos últimos oito meses tenho aprendido a lidar com isso. Ainda não consigo ir por aquela estrada, mesmo que seja outra pessoa dirigindo. Sempre peço para que peguem a outra". Ela ainda explicou que não falava sobre o assunto com o pai porque sabia que isso o machucava.

Grace e Stephanie não estavam usando cinto de segurança. Técnicos não encontraram falhas mecânicas no carro. A explicação é que Grace teve um apagão dirigindo (ela vinha reclamando da saúde, especialmente de dores de cabeça) e, quando voltou a ficar consciente, estava desorientada. A perícia disse que Stephanie não estava no volante.

A ribanceira de onde o carro desgovernado caiu

A ribanceira de onde o carro desgovernado caiu

“Havia tanta magia envolvendo a mamãe, tanto daquele sonho, que de algumas maneiras ela quase parou de ser humana. Era difícil pras pessoas aceitarem que ela faria algo tão humano como causar um acidente de carro. Pensaram que eu devia ter causado porque ela era muito perfeita para fazer algo do tipo. Depois de um tempo você não consegue deixar de se sentir culpada. Todo mundo te olha e você sabe que estão pensando ‘como ela ainda está por aqui e Grace está morta?’. Ninguém jamais disse isso pra mim assim, mas sabia que era o que estavam pensando. Precisava muito da minha mãe quando a perdi. E meu pai estava tão perdido sem ela. Me senti muito sozinha. E simplesmente saí pra fazer as minhas coisas.”
— Stephanie de Mônaco para Jeffrey Robinson em 1989

Que coisas eram essas? Como Stephanie lidou com o assunto? Primeiro de tudo, ela caiu nos braços de Paul Belmondo (sim, isso, o filho do ator Jean Paul Belmondo), seu namorado na época, e disse pra família que não queria ir pra faculdade.

Amo o fato que ela também namorou Anthony Delon, o filho de Alain Delon

Amo o fato que ela também namorou Anthony Delon, o filho de Alain Delon

Em 1983, Marc Bohan, o estilista da Dior na época que já havia vestido Grace Kelly em diversas ocasiões, contratou Stephanie como estagiária. Ela também começou a fazer trabalhos de modelo – seu objetivo era financiar uma marca de moda praia, a Pool Position, com a amiga Alix de la Comble. Coisa que acabou acontecendo mesmo: a marca foi lançada em 1986.

Stephanie e um look da Pool Position

Stephanie e um look da Pool Position

Paralelamente a isso, o mesmo ano de 1986 viu um single chegar nas lojas. Era Ouragan, com a voz de Stephanie. Ali começava a carreira de cantora.

O clipe é uma superprodução, cheia de locações externas, figurantes, figurinos. Explora-se tanto situações de perigo (algo um pouco arriscado pra imagem pública de Stephanie, né?) quanto a sensualidade andrógina dela: o maxilar marcado e o look ora unissex, ora uma calcinha de biquíni enroladinha bem reveladora. No fim, a mensagem que eu entendi é… o mistério está nela mesma?

O resultado é que Ouragan é um dos singles mais vendidos de todos os tempos na França! Ela mesma disse, pro mesmo livro: “Não esperava que isso acontecesse assim. Nunca pensei que o disco fosse vender do jeito que vendeu. Mas quando me foi dada a chance de cantar, descobri que aquilo era o que eu realmente queria fazer. Cantar e atuar. Virou minha vida".

Inevitável que fosse feito um álbum inteiro. Besoin também saiu em 1986. A próxima música de trabalho era Flash.

Também foi um sucesso. As músicas de Stephanie eram assim: oitentistas, meio balada animada, pop descartável charmosinho sob a nossa lente nostálgica.
Nesse meio tempo, rolou isso aqui:

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Stephanie por

Helmut Newton

na capa da Vogue Paris de setembro de 1986. Caroline, a irmã mais velha, também foi clicada por Newton em fotos incríveis no mesmo ano

Aí, em outubro de 1986, Stephanie foi pra Los Angeles pra gravar um novo álbum. O que ela esquece de contar é que a mudança pros EUA talvez tenha tido outro incentivo. Ele tem nome e sobrenome: Rob Lowe.

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Que babado

de casal

Eles eram até meio parecidos?

Não durou muito tempo. Depois, em 1988, Lowe se envolveria num escândalo de sex tape com uma garota de 16 anos – como eu contei aqui nesse post. A carreira dele deslizou e só voltou mesmo anos depois.

Stephanie também seguiu a vida.

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Em 1989 saiu Stephanie, o perfume

Chique! Nunca senti. Será que é meio mediterrâneo?

O segundo álbum em si, o homônimo Stephanie, demorou cinco anos pra sair. E quando saiu, em 1991, talvez por essa falta de timing, ele flopou.

Acho injusto porque, inclusive, GOSTO.

No mesmo ano de 1991 foi lançado o álbum Dangerous, de Michael Jackson. A terceira faixa, In the Closet, seria a princípio uma parceria entre Michael e nada menos que Madonna! Mas ele achou que as ideias de letra dela estavam too much pra ele e desencanou. Acabou fazendo a música com Teddy Riley e, pro dueto, chamou… uma Mystery Girl. Pelo menos era assim que ela era creditada.

Depois de um tempo, finalmente revelaram que a Mystery Girl era Stephanie. E esse foi, por bastante tempo, o encerramento da carreira de Stephanie como cantora. Em 1992, ela teve seu primeiro filho, Louis Ducruet, fruto do relacionamento dela com o guarda-costas Daniel Ducruet. Nasceram mais duas meninas: Pauline, em 1994, e Camille, em 1998 (essa última filha de outro guarda-costas, Jean Raymond Gottlieb).

Em 2007, aconteceu um breve comeback da Stephanie cantora. A fundação dela Fight AIDS lançou um single com renda voltada pra causa e a participação de diversos artistas. Stephanie aparece no 1'53'':

E em 2008, saiu o que para mim é uma das Vogue Paris que me marcaram. kkkkkkkk Ainda era a Vogue de Carine Roitfeld, desculpa a emoção exagerada. E a edição, de dezembro de 2008, é essa aqui:

Vogue Paris com Stephanie como editora convidada

Vogue Paris com Stephanie como editora convidada

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Acima você confere uma mistura de Stephanie e de imagens inspiradas em Stephanie, incluindo Milla Jovovich encarnando a Stephanie oitentista superstar! AMO!

(Aliás, a Milla também já se arriscou como cantora, né? Mas esse é tema pra outro post!)

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September 20, 2020 /Jorge Wakabara
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A setlist do primeiro show solo de Maria Bethânia

September 19, 2020 by Jorge Wakabara in música

A história é a seguinte: nos primórdios, mais especificamente em 1964, o Teatro Vila Velha de Salvador tinha acabado de ser reformado. Eles precisavam estrear algo mas o dinheiro minguou, e a ideia de montar a peça Eles Não Usam Black-Tie precisou ser adiada momentaneamente. Mas o show tem que continuar - e aí? Alguém lembrou de uma turma que se reunia na varanda da Maria Moniz, onde rolava uma sopa pros famintos artistas aos sábados.

Chamaram esse povo e foi montado o espetáculo Nós, Por Exemplo… com bossa nova, músicas antigas, músicas novas (de Caetano Veloso e Gilberto Gil) e a turma que incluía o quarteto que depois seria conhecido como os Doces Bárbaros: Caetano, Gil, Maria Bethânia e Maria da Graça, ainda apelidada Gau e só entre o povo mais íntimo.

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Ainda teve um parte-2-o-retorno de Nós, Por Exemplo… e depois finalmente montaram Eles Não Usam Black-Tie. E aí o que aconteceu é que, aproveitando o cenário da peça, criado por Calazans Neto e que simulava uma favela carioca, também foi montado o primeiro show solo de Bethânia. Mora na Filosofia, que entrou em cartaz ainda em 1964, trazia Bethânia cantando, dirigida pelo irmão Caetano, à noite – a peça era apresentada no período vespertino!

Existe, em teoria, um registro do que foi a setlist de Mora na Filosofia. É nele que me baseio pra fazer esse post: o recorte do Jornal do Commercio publicado no Rio de Janeiro em 31/03/1965.

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Quem é Hineni Gomes? Não faço a menor ideia. Mas é na palavra dele que a gente vai confiar. Vem comigo.

Pra Seu Governo de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira

O show, em teoria, abria com Pra Seu Governo de Haroldo Lobo com Milton de Oliveira. Onde ela ouviu essa pela primeira vez? Pode ter sido na rua, mesmo. A gravação mais antiga, que eu saiba, é de Gilberto Milfond, de 1950. Essa de cima é talvez a mais conhecida hoje, de Beth Carvalho, numa interpretação mais suave. É do disco homônimo Pra Seu Governo, de 1974 – ou seja, lançada 10 anos depois do show de Bethânia em Salvador.

Canção Espontânea de Caetano Veloso

Começa o mistério: não existe gravação de Canção Espontânea. Não há rastros. Provavelmente essa foi a única vez que essa música foi apresentada, se é que ela existe (ou não passou de uma invenção da cabeça de Hineni Gomes?). A única música composta por Caetano que leva "Canção” no título e que foi gravada, aliás, é Canção de Protesto – o registro é de Zizi Possi no disco Amor & Música, de 1987:

De Manhã de Caetano Veloso

Dessa temos registro com Bethânia em si! A gravação saiu em um compacto em 1965, aproveitando o hype do show Opinião no qual ela cantava Carcará (João do Vale e José Cândido). Lado A era Carcará e lado B, De Manhã. Depois, Bethânia revisitaria De Manhã e lançaria versão ao vivo em 2012: o disco era Noite Luzidia e a música virou um dueto entre ela e o compositor, o mano Caetano.

Favela de Hekel Tavares e Joracy Camargo

Arrisco dizer que a inspiração de Bethânia para cantar Favela foi essa gravação de Maysa de 1962. Mas talvez não: existem gravações anteriores, tipo a de Silvio Caldas de 1952, a de Raul Roulien de 1933, a de Vanja Orico de 1955… Gravação de Bethânia que é bom, nada.

Meu Barracão de Noel Rosa

Mais uma que tem registro! Meu Barracão é composição de Noel de 1933 e essa gravação saiu em um EP de Bethânia de 1965 só com obras do sambista – Meu Barracão e outras cinco. Muita gente gravou antes, claro. Mario Reis em 1934, por exemplo. Aracy de Almeida, uma das maiores intérpretes de Noel, em 1955. E por aí vai.

A Felicidade de Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Esse registro é mais atual, gravado em 2004 e lançado em 2005, efeméride de 40 anos de carreira de Vinícius. Então qual foi a matriz de Bethânia em 1964? A composição foi feita pra trilha do filme Orfeu Negro do diretor francês Marcel Camus, de 1959. Saiu esse compacto abaixo, na época:

Os Doces Bárbaros já tinham todos sido atingidos pela brisa João Gilberto, que era tranquila, mas com os seus efeitos mais parecia um furacão revolucionário. Só que muita gente fala dos efeitos de João em Gal, Caetano e até em Gil. Na Bethânia, voz de raio e trovão, como pode? Uma prova que quem ainda não ouviu vai se surpreender: a gravação de No Tabuleiro da Baiana de 1981 do disco Brasil, de João com participações de Caetano, Gil… e Bethânia. Talvez a voz de Bethânia nunca tenha sido tão mais suave quanto ali, com João junto. É um assombro de linda.
Será que em 1964, cantando A Felicidade, Bethânia já se suavizava?

Chão de Estrelas de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa

Bethânia só iria registrar Chão de Estrelas em 1996 no álbum Âmbar. Por que demorou tanto? Gravada pelo próprio Silvio Caldas em 1953, regravada por grandes vozes como Elizeth Cardoso (em 1957), Maysa (em 1961), Roberto Silva (em 1960), com o tropicalismo Chão de Estrelas virou um exemplo de velha guarda estagnada. Tanto que ela aparece no disco A Divina Comédia dos Mutantes, de 1970, em versão irônica. Caetano nega, daquele jeito dele: não tem essa de velho e novo, pipipipopopó. Sei.
Mas no fundo Bethânia nunca se abalaria por causa disso. Ela, que não quis entrar na dos tropicalistas porque já tinha sido rotulada como cantora de protesto no comecinho da carreira e viu que rótulo era roubada, na verdade já tinha incluído Chão de Estrelas no show A Cena Muda, que foi registrado em disco de 1974. Está ali, no medley entre Maria Maria de Caetano e Sinal Fechado de Paulinho da Viola. Então o lançamento de Âmbar é pioneiro em trazer essa música separada, fora de um medley e em estúdio. Depois, Chão de Estrelas ainda surgia no disco De Santo Amaro a Xerém de 2018, outro registro ao vivo dessa vez ao lado de Zeca Pagodinho.

O Morro (Feio não é Bonito) de Carlos Lyra e Gianfrancesco Guarnieri

Carlos Lyra era bossa-novista. Mas depois, em 1961, começou a se envolver com o CPC (Centro Popular da Cultura) ao lado de Vianninha (Oduvaldo Vianna Filho, do Teatro de Arena e um dos dramaturgos do show Opinião) e outros. Foi o CPC que mostrou Zé Keti, Cartola, Nelson Cavaquinho, todos esses sambistas do morro pra jovem classe média intelectualizada que já gostava de bossa nova. Isso se refletiu no primeiro disco de Nara Leão, lançado em 1964 pela Elenco, que tinha mais samba que bossa nova.
E Lyra começou a compôr outras coisas, pra além de Maria Ninguém e Se É Tarde Me Perdoa. O Morro (Feio não é Bonito) é um exemplo. Como era uma parceria com Gianfrancesco Guarnieri, o artista por trás de Eles Não Usam Black-Tie, tinha tudo a ver Bethânia cantá-la no cenário da peça.
Mas quem ensinou a música pra Bethânia, antes mesmo dela chegar no Rio pra despontar em Opinião substituindo Nara? Ela mesma: Nara. Ou deduzo que sim: Nara Leão foi pra Salvador e viu Nós, Por Exemplo…, e ao que consta ensinou algumas músicas pro pessoal. Ficou tão impactada com Bethânia que sugeriu o nome da iniciante pra substituí-la, quando precisou sair do Opinião. Portanto… faz sentido, não?

Ave Maria do Morro (Barracão de Zinco) de Herivelto Martins

A gravação de 1942 do Trio de Ouro, formado pelo casal Herivelto Martins e Dalva de Oliveira mais Nilton Chagas, virou um clássico. Claro, pintaram outras: a própria Dalva regravaria, além de gente como Nelson Gonçalves (em 1950) e Ângela Maria (em 1955).

Não existe gravação na voz de Bethânia. Nem no Cânticos, Preces, Súplicas de 2004, dedicado à Nossa Senhora, ela incluiu a faixa. Já Gal Costa gravou: a música fez parte de muitos dos seus shows e, finalmente, em 2003, no disco Todas as Coisas e Eu. Talvez por isso que no ano seguinte Bethânia evitou incluí-la no seu lançamento com músicas pra Mãe de Jesus. Gal ainda lançaria uma versão ao vivo no disco Live At The Blue Note, gravado em 2006.

Acender as Velas de Zé Keti

Coisas assim me fazem pensar o que aconteceu na real.
A história oficial diz que Nara conheceu Bethânia em Nós, Por Exemplo…, gostou da turma, ensinou umas músicas e foi embora pra fazer o Opinião.
Mas então ela já teria ensinado pra Bethânia uma música que faria parte do repertório do Opinião… antes de tudo?
Acho tão esquisito. Mais do que destino, me cheira a "tava tudo combinado".

Quem lançou essa música de Zé Keti primeiro na verdade nem foi Nara, no disco Opinião que também era de 1964, e sim Neyde Fraga com Walter Wanderley. Numa pegada bem… bossa nova, diga-se de passagem. Zé Keti foi um dos artistas do morro que viraram "moda” via CPC, como eu disse mais acima. Acontece – até hoje, aliás…

Enquanto a Tristeza Não Vem de Sérgio Ricardo

Outra que deve ter sido ensinada por Nara, ou que era fresquinha, recém-lançada em álbum. O disco Um Sr. Talento de Sérgio Ricardo sairia em 1964 mesmo. As baianas do Quarteto em Cy gravariam a versão delas no mesmo ano, pro disco homônimo Quarteto em Cy. Sérgio também era bossanovista, também se envolveu com o CPC. Nos anos 1970, virou maldito (vira-se maldito? Nem sei!).
Sérgio foi infectado com COVID-19, se curou mas seguiu internado e acabou morrendo no hospital em julho de 2020 de insuficiência cardíaca.

Bethânia nunca gravou a música.

Ao Voltar do Samba de Synval Silva

Do repertório clássico de Carmen Miranda, de 1934, foi uma das canções da safra de Synval Silva que a cantora gravou (também tem Adeus Batucada, um dos maiores hits). Bethânia não gravou, e a interpretação dela deve ser ótima! Queria ter ouvido!

Onde Estão os Tamborins de Pedro Caetano

O meu palpite é que Bethânia ouviu essa música no rádio ou num samba de roda na rua. A música que fez muito sucesso no Carnaval de 1947 é de Pedro Caetano, o mesmo de É Com Esse Que Eu Vou, que em 1973 apareceu no repertório de Elis Regina. E é boa mesmo, mas não tem gravação de Behânia. Tem uma de Célia, de 1975!

Foi Ela de Ary Barroso

A música lançada por Francisco Alves no Carnaval de 1935 é de Ary Barroso. Não existe gravação com Bethânia conhecida – porém, mais uma vez, existe… com Gal. Ela gravou pro songbook que foi lançado em 1994, com o violão de Luiz Brasil.

Lata d'Água de Luiz Antônio e Candeias Jota Júnior

Marlene soltou sua versão de Lata d’Água de Luiz Antônio e Candeias Jota Júnior em 1952. Com toda a temática de morro e favela do show de Bethânia, tinha tudo a ver. Depois, a interpretação de Elza Soares viraria um clássico contemporâneo. Saiu no Beba-me Ao Vivo de 2007 da cantora.

Mora na Filosofia de Monsueto e Arnaldo Passos

Finalmente a canção que dava nome ao espetáculo. Amo esse samba! A gravação de Bethânia saiu em seguida, em 1965, no seu primeiro álbum. É mais uma música lançada por Marlene, essa em 1954. Eu adoro! Quem a retomaria? Caetano, no disco Transa de 1972. A pegada dele ficou mais dark, como o resto do álbum, feito no contexto do exílio londrino. Acho que a escolha de Caetano também deve ter tido a ver com a saudade de Bethânia.
Depois, Bethânia a lançaria no meio de um pout-pourri desses que ela curte no disco Nossos Momentos de 1982 – esse acima.
Monsueto é incrivel. Ouçam mais Monsueto.

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September 19, 2020 /Jorge Wakabara
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Um elo perdido de estrela pop: Emilinha

September 07, 2020 by Jorge Wakabara in música, TV

Acho que a gente pode começar essa história lá atrás. Mais para trás. Bem mais. Em 1954. O ano da vitória de Martha Rocha como Miss Brasil e da polêmica das duas polegadas a mais de quadril que a teriam desclassificado no concurso de Miss Universo. Essa polêmica, dizem, foi inventada por um jornalista para que os brasileiros não ficassem tão tristes – estavam todos muito confiantes da vitória de Martha. Acabou entrando para a posteridade como verdade, e o concurso de Miss ficou mais famoso do que já era por essas praias.
Pois bem. E quem ganhou o título de Miss Brasil no ano seguinte? Emília Barreto, representando o estado do Ceará.

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Emília Barreto Corrêa Lima

Millôr Fernandes disse, comparando-a com a antecessora: “A mulher, para ser bonita, precisa ter nariz. Martha Rocha não tem, e o de Emília dispensa qualquer elogio".

Emília se casou no ano seguinte do seu "reinado” com o oficial do exército e engenheiro Wilson Santa Cruz Caldas. Com ele, teve três filhos. Nélson. Marília. E… Emilinha.

Agora vou contar uma outra história.
No fim da década de 1970, tinha um cara que era um gênio da guitarra mas que não conseguia ganhar uma grana boa com o seu trabalho. Já tinha tocado com Fagner, já tinha tocado com Gal, já tinha tocado nos EUA. Em 1981, ele decidiu fazer um disco mais comercial. Surgia Satisfação de Robertinho de Recife. E olha quem estava na contracapa…

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Essa mulher sentada é a Emilinha, a filha da Miss Brasil de 1955. Repare na ficha técnica: participação especial de Emilinha no vocal e guitarra.

Só para dar um contexto, em 1979 saía o primeiro disco de Rita Lee depois de uma sequência de lançamentos com a banda Tutti Frutti. Na contracapa, aparecia seu novo comparsa, Roberto de Carvalho, e a barriga de grávida. Surgia um novo conceito no pop brasileiro: a família do rock!

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Emilinha e Robertinho também eram um casal.

Em Satisfação, Feliz com Você é composição de Robertinho com Emilinha. Romântica, bem bonitinha. Tem também a música Emilinha Dançando, referência clara a ela, composição solo de Robertinho instrumental e curta, de menos de um minuto. Será que a última, Mina de Ouro, de Robertinho com Aninha Bird, é para Emilinha? Acho que não porque fala de uma loira (kkkkk guarda essa informação para daqui a pouco). Mas o grande babado é O Elefante, com a voz dela, um dos grandes hits da carreira de Robertinho, composta por ele e Fausto Nilo.

Era isso, nos primórdios do BRock, mas nem cá, nem lá. Robertinho era um estranho entre a juventude carioca que começava a despontar, e também muito moderno para os medalhões da MPB. Porém incrível, com repertório pop nos trinques.

E se Rita Lee assumiu a parceria com Roberto de Carvalho (que rolava fazia um par de anos) na capa do álbum de 1982, chamado Rita Lee e Roberto de Carvalho e também conhecido como Flagra, Robertinho trouxe Emilinha para a capa de Robertinho de Recife e Emilinha também em 1982.

Identificando-se de vez com a turma new wave (As Aventuras da Blitz saiu em 1982 e um monte de estreias de banda em disco rolariam em 1984), o álbum da dupla traz essa Dominó Dominó de Robertinho e Nilo como carro-chefe e ainda tem uma da dupla de cantores, Estou Débil (meio tosquinha, pra falar a verdade, e politicamente bem incorreta). Sem contar muita coisa legal ali pelo meio, tipo A Onda, outra de Robertinho e Nilo, new wave com toques árabes!

Também adoro Vem Cá Neném, mais uma de Robertinho e Nilo, com a voz de Robertinho no destaque. A produção do disco era de Lincoln Olivetti, que também assina duas composições em dupla com Robertinho (Nas Luzes da Noite e Alguém Especial).

O próximo disco de Robertinho, Ah, Robertinho do Mundo de 1983, ainda trazia mais uma composição em parceria com Emilinha, a última do disco Vou-me Embora. Mas o tom de new wave já vai dando lugar a algo bem centrado na guitarra e a dupla com Emilinha cantando evapora da capa e conteúdo. Não deixa de ser um disco muito bom: traz a versão gravada dele para Bachianas Brasileiras nº 5 de Heitor Villa-Lobos e o hit Babydoll de Nylon, composição de Robertinho com Caetano Veloso, encaixada ali em penúltimo, quase com receio do possível sucesso que ela viria a conquistar (Robertinho sempre disse em alto e bom som que achava O Elefante, por exemplo, um lixo comercial).

E em 1984, segundo entrevistas que o próprio Robertinho deu, ele pagaria um pedágio para cair de vez no metal com o disco Metal Mania. Era isso daqui:

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Sim: a versão original de É de Chocolate, de Miguel Plopschi e Michael Sullivan, é pré-Trem da Alegria, apesar de muita gente ligar o sucesso ao grupo infantil. Era com Patrícia Marx e Luciano Nassyn, ainda sem Juninho Bill, e participações especiais de Emilinha e Robertinho de Recife. A primeira voz que a gente ouve, portanto, é dela: Emília.

Enquanto deixavam Robertinho se enveredar pelo heavy metal depois do Chocolate que ele considerava um mico (mas bem que ele cairia no ultracomercial Yahoo com a sensual Mordida de Amor em 1988, então, ué, decida-se), Emilinha teve um filho dele, Eduardo Caldas, nesse mesmo ano de 1984. É esse aqui, ó:

Você lembra, né? Eduardo Caldas era o ator mirim mais querido dos anos 1990. Teve o personagem Pinguim, por exemplo, que ficava falando "é ruim, hein?" toda hora. Acho que essa imagem é de Felicidade, novela de Manoel Carlos de 1991, e ele fazia mui…

Você lembra, né? Eduardo Caldas era o ator mirim mais querido dos anos 1990. Teve o personagem Pinguim, por exemplo, que ficava falando "é ruim, hein?" toda hora. Acho que essa imagem é de Felicidade, novela de Manoel Carlos de 1991, e ele fazia muita coisa com a Tatyane Goulart na TV

(Hoje o Eduardo é roteirista e mudou o nome artístico, assina como Eduardo Albuquerque)

E sim, a própria Emilinha foi em busca do seu lugar ao sol. Surgia o disco "perdido” homônimo Emilinha, cuja capa abriu esse post, em 1986. Nele, seis músicas eram composições solo de Emilinha. Contava também com outras delícias, tipo isso:

Diário de Mentiras é de Leoni, e parece bastante com as músicas dele para o Kid Abelha, sua ex-banda (sinceramente, dá até para imaginar Paula Toller cantando). Leoni saiu do Kid justamente em 1986, brigado, e fundou a sua nova banda, Heróis da Resistência, naquele mesmo ano.
Numa reverência à desbravadora do pop rock nacional, nesse mesmo álbum Emilinha regravou Tratos à Bola, de Rita Lee com os Tutti Fruttis Lee Marcucci e Luis Carlini.

A versão original de Rita saiu em 1974, no álbum Atrás do Porto Tem Uma Cidade.

Mas isso foi apenas o começo. Em 1987, sairiam duas coisas. Primeiro vou mostrar a mais misteriosa, que tem a ver com o lado compositora de Emilinha.

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Não consegui localizar nenhum registro de som dessa belezinha, um girl group chamado Rosa Shok formado por, acho, Andréa, Luciany, Karen, Leila e Adriana. A segunda música do lado A, Todos os Tipos, é de autoria de Emilinha. Entre os compositores, a maioria é bem misteriosa. Mas tem o Papa Kid que já fez coisas com Luiz Melodia, com o próprio Robertinho, com Fausto Nilo. Olha esse compacto do Papa Kid de 1982, que maravilhoso:

E lembra que eu falei do Gastão Lamounier Neto sobre O Dono da Bola, a música do Mário Gomes? Ele também fez uma para a Rosa Shok, Moto Prateada, com Luis Mendes Junior. Gastão tem história com o pop nacional dos anos 1980: fez coisas para Neusinha Brizola (<3 <3), Sempre Livre, Sandra de Sá, Tim Maia, Banda Black Rio.
E Luis Mendes Junior? Bom, esse cara é o responsável por Piuí Abacaxi. Não finja que não sabe do que eu estou falando.

Se alguém achar o álbum da Rosa Shok por aí, me avisa?

O outro capítulo de 1987 na história de Emilinha é esse aqui.

"Não adianta. Por mais que eu tente, não dá pra entender. Como é que você pôde me trocar por essa… essa lôra horrorosa… E eu que dei tudo de mim. Dei o melhor de mim pra você. Mas tudo bem. Um dia você vai ver o que perdeu. Mas aí vai ser tarde demais porque eu é que não vou mais querer nada com você. Você é que vai ficar na pior… Babaca!"

O Que Que Ela Tem Que Eu Não Tenho é uma composição de Emilinha. A primeira formação de Afrodite Se Quiser é com ela, Karla Sabah (que é quem manda esse textão no começo da música) e Patrícia Maranhão. Elas lançaram um disco homônimo em 1987.

Além dessa, tem dedo de composição de Emilinha em Pega Leve (com Casaverde) e Peito e Bum-Bum (com Patrícia Maranhão).
Pega Leve é BEM LEGAL, de verdade, assim como Peito e Bum-bum. São meio… empoderadoras? "Pega leve comigo / que eu vou botar pra quebrar / Tudo que eu quero, eu consigo / Eu posso te arrasar" & "Seu desejo pra mim é só um / Mas eu não sou só peito e bum-bum".
Tudo Por Um Toque de Amor, da Patrícia, é bem delicinha oitentista também, com uma melodia cheia de agudos que elas seguram muito bem.

No lado B desse álbum tem um medley que a gente pode enxergar meio como as coisas que o Harmony Cats, grupo vocal feminino, fazia: juntar um monte de hits do passado dando uma nova roupagem, nesse caso mais para pop oitentista.

Em 1989, saiu outro disco de Afrodite se Quiser e uma outra formação: sem Patrícia Maranhão, agora elas contavam com Gisela Zingoni. Gisela chegou com tudo: grande parte das composições do álbum Fora de Mim tem o dedo dela.
O single, Papai e Mamãe, é de Gisela com Emilinha:

A curiosidade: a direção desse clipe é do Boninho!
De composições da Emilinha, o álbum ainda conta com Eu Não Vou e Já Tá Pegando Mal (ambas com Zingoni) e Fora de Mim (só dela).

Ainda em 1989, o trio gravou Canção Para Inglês Ver do Lamartine Babo para a novela Kananga do Japão, da Manchete.

Ficou uma coisa meio Frenéticas, né?

Karla foi a única do trio que seguiu carreira de cantora. Gisela acabou se especializando em edição de songbook e Emília Caldas passou a trabalhar com figurino.

O Afrodite faz parte de uma linhagem de girl groups do pop brasileiro que a gente chega a negligenciar, na minha modesta opinião. Citei alguns de maneira espalhada por esse post: Sempre Livre, Harmony Cats, Frenéticas. Tem também As Sublimes, Banana Split, SNZ, Pearls Negras, sem esquecer o que talvez tenha sido o mais bem sucedido de todos: Rouge.
Mas, acima de tudo, Emilinha fez história no pop brasileiro. É de Chocolate foi disco de platina (segundo consta, Robertinho chegou da cerimônia da entrega em seu apartamento no 12º andar e o jogou pela janela, imagina o perigo). O Que Que Ela Tem está no mármore eterno da memória de 10 entre 10 crianças, adolescentes e adultos dos anos 1980.

Qualquer coisa dessa discografia em vinil: EU QUERO.

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September 07, 2020 /Jorge Wakabara
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As muitas versões de Diana

September 05, 2020 by Jorge Wakabara in música

Percebi que cometi um erro feio aqui: fiz aquele post sobre a relação de Diana com Odair José e agi mais ou menos como os jornalistas da época, valorizando mais essa atribulação do que o trabalho e o talento de Diana em si.

Tá na hora de mudar isso. No programa Quatrilho que acabou de ir ao ar no meu podcast, prometi que iria trazer mais versões em português de músicas internacionais gravadas por Diana ao longo de sua carreira. E vou cumprir! Para quem ainda não ouvir, a que foi incluída no podcast é Tudo que eu Tenho, versão assinada por Rossini Pinto de Everything I Own do Bread.

Vamos para as outras? Vou fazer um compilado, OK, porque são muitas!

Ainda Não Sou de 1975

Já da fase sem Raul Seixas na produção (ele produziu os primeiros álbuns de Diana), Ainda Não Sou é versão da própria Diana para um sucesso de Johnny Nash que talvez você conheça na voz de outra pessoa. É esse aqui: I Can See Clearly Now de 1972. Ou seja, a versão de Diana é de apenas três anos depois do lançamento.

Esse foi o maior hit da carreira do texano Nash. Mas talvez você conheça o sucesso pela voz de Jimmy Cliff em gravação mais popzêra, de 1993! Ela entrou na trilha do filme Jamaica Abaixo de Zero, do mesmo ano.

E muita gente já regravou I Can See Clearly Now. Outro notório que já colocou sua voz nela foi Ray Charles em 1978.

Porque Brigamos, de 1972

Sim: um dos maiores sucessos do primeiro álbum de Diana é uma versão, também assinada por Rossini Pinto, e não é fraca, não. A original é de ninguém menos que Neil Diamond, a igualmente linda I Am… I Said.

Fresquinha na época, ela saiu no mesmo ano de 1971 no álbum Stones. Diamond diz que demorou quatro meses para compô-la, e que ela saiu de suas sessões de psicanálise. Dizem que na verdade a música era uma encomenda para um filme sobre a vida de Lenny Bruce, o comediante. Essa imersão para tentar compô-la deu em sentimentos tão à flor da pele que o músico precisou frequentar sessões de terapia!

Versões em outras línguas também existem. Gosto dessa, em italiano, por Caterina Caselli também em 1971.

Alguém Para Me Fazer Feliz, de 1974

Donizette, um cara que já compôs coisas para Odair José, assina essa versão de Montagne Verdi, do repertório de Marcella Bella. A original é de 1972.

A música é composição de Giancarlo Bigazzi e Gianni Bella. Bigazzi é compositor de diversos sucessos italianos, e Gianni, como vocês podem imaginar pelo sobrenome, é irmão de Marcella. Foi com Montagne Verdi que a artista cresceu e apareceu no Festival de San Remo de 1972.
E uma curiosidade é que Montagne Verdi faz parte da trilha sonora da polêmica série Baby da Netflix, que traz na sua trama adolescentes italianas que se prostituem.

Meu Lamento, de 1972

Mais uma versão de Rossini Pinto do clássico primeiro álbum azul, mas dessa vez ela vem do Peru.

Raúl Vásquez, o chamado el monstruo de la canción, lançou essa música, pelo que entendi, em 1970. Ele era representante da nueva ola peruana, tipo a correspondente por lá da Jovem Guarda do Brasil. Porém, a música usada como base aqui pode ter sido a regravação bem sucedida do argentino Pepito Pérez, de 1972 mesmo.

Prefiro a do Raúl, mas o sotaque argentino tem seu charme. KKKKKKKKKKK!

No Fundo de Minh’Alma, de 1972

Mais uma do disco de estreia, mas decidi incluir por causa do caráter instigante. Dessa vez, Rossini Pinto fez uma versão de uma música original… croata.

De 1971, a gravação de Mišo Kovač é composição de Stjepan Mihalinec e Drago Britvic. Não saberia pronunciar tudo isso, que bom que estou escrevendo. Mišo é uma das maiores estrelas da Croácia e da antiga Iugoslávia, o maior vendedor de discos que a região já viu. Ele ganhou o Festival de Split de 1971 (um festival de música pop da Croácia) com Proplakat će Zora e acredita-se que esse seja o single mais vendido da história da Iugoslávia, embora isso seja difícil de provar depois da guerra. Segue firme e forte na carreira até hoje.

Muito Obrigada, de 1975

Reconheceu? É uma versão de Diana para Anticipation de Carly Simon!

De 1971, a música é um dos maiores hits de Simon e foi trilha da campanha do catchup Heinz entre fim dos anos 1970 e os anos 1980. E olha essa versão aqui, de 1972:

Nora Aunor é uma artista filipina, superestrela por lá. Não só canta como é a grande dama do cinema filipino. Chique!!!

Eu Acredito em Mim, de 1995

Uma mais recente! A versão de Diana é de uma música de Russ Ballard.

Do álbum homônimo Winning de 1976, a música depois ainda virou sucesso com a guitarra de Santana em uma versão de 1981. Nessa, quem canta é Alex Ligertwood.

E antes disso, uma mulher também a gravou. Nona Hendryx, que fazia parte do super girl group Labelle, cantou Winning no seu álbum solo de estreia de 1977. E arrasou!

Sem Barulho, de 1976

Essa música, versão de Paulo Coelho (ele mesmo, o mago, o alquimista!) de tons gospel, saiu no álbum de Diana de 1976 – é, aliás, a única versão dele. A original? É essa aqui:

Humblement Il Est Venu do Georges Moustaki foi lançada em single em 1975 e já tinha esse tom cristão. Moustaki dispensa apresentações: ícone master da música francesa e também um exemplo vivo e andante de multiculturalismo: egípcio-francês de origem judaica, italiana e grega. Quase uma ONU.

Eu te Amo, de 2002

Finalmente, a mais recente de todas: Eu te Amo é versão de Mauro Motta para uma original de Luis Ángel Márquez, Tu Me Quemas.

Tu Me Quemas está no disco de 1986 de Luis Ángel, o Amar a Muerte. É um dos grandes sucessos dele!

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September 05, 2020 /Jorge Wakabara
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Aggretsuko: a terceira temporada é PERFEITA

September 02, 2020 by Jorge Wakabara in TV, música, livro

Existe uma falácia sobre Aggretsuko. Se grande parte das pessoas acha que desenho animado é coisa de criança, imagina um desenho animado da Sanrio? Mas Aggretsuko, que acaba de estrear sua terceira temporada na Netflix, é um caso bem diferente. Vou tentar explicar os motivos aqui.

1_O retrato de uma geração – e não estou falando da Lena Dunham

Ansiedade no trabalho: basicamente todo mundo que está empregado tem, e quem não tem é privilegiadíssimo. Quem não está empregado também tem ansiedade: por não ter um emprego. Para quem não conhece a história do desenho, ele acompanha a trajetória de Retsuko, uma panda vermelha que trabalha no setor de contabilidade de uma empresa. Ela é solteira, tem um chefe assediador e um salário bem curtinho, diametralmente oposto à quantidade de trabalho que ela precisa dar conta de fazer.
Mas Retsuko tem um segredo: ela desabafa suas mágoas no karaokê cantando death metal.
Tudo isso já está presente desde o começo da série, esse é o mote da personagem. E já não parece um tema infantil, certo? No começo, tudo ainda é tratado de maneira bem simples. Mas as coisas vão se complicando na segunda temporada e ainda mais na terceira. Digamos que Retsuko começa a entrar numas de existencialismo, e mesmo que não chegue ao Marx, desperta reflexões profundas sobre o nosso estilo de vida e a sociedade.

2_IDOLS

Vou contar uma história: da primeira vez que fui ao Japão, um dos programas que queria muito fazer era ir ao café do AKB48.

Essa é uma formação do AKB48, não faço ideia se é a atual

Essa é uma formação do AKB48, não faço ideia se é a atual

AKB vem do bairro de Akihabara, uma região de Tóquio que ficou conhecida como um centro comercial de eletrônicos e depois virou uma meca geek. O apelido de Akihabara é Akiba. 48 é o número de integrantes desse grupo – pois é! Mas é muito raro que elas se apresentem todas juntas. A ideia é dividi-las em grupos menores, e assim criar uma programação extensa e intensa com eventos espalhados acontecendo a todo momento. O AKB48 é um ótimo exemplo de como funciona esse universo das idols contemporâneas: a importância do meet & greet, a estratégia supermarketeira de divulgação, a exploração da imagem de ingênua e novinha junto a um público mais velho masculino (pois é, um horror), o ícone descartável que quando chega em certa idade já não serve mais para a carreira.
Eu e meu marido entramos no café do ABK48 (que fechou as portas no ano passado) e pedimos umas bebidinhas fofas. O cardápio era o comum nesses cafés temporários kawaii, comidas bonitinhas temáticas com um gosto OK. Bandeirolas, porta-copos, loja recheada de merchandising e um telão com imagens de clipes das meninas chamavam a nossa atenção, mas algo era óbvio ali. O público. No horário que fomos, estava meio vazio (não era um horário de apresentação delas ao vivo), então os gatos pingados que compareceram eram homens engravatados de meia idade, chamados no Japão de salarymen.

This is salarymen

This is salarymen

Na terceira temporada da série, Retsuko se envolve com um grupo underground de idols (YES, that's a thing) chamado OTMGirls. Já tem álbum no Spotify e tudo.

OTMGirls também ganhou linha de produtos da Tower Records (a Tower Records, surpresa, ainda existe no Japão, que segue como um dos maiores mercados fonográficos em matéria de mídia física). Um grupo fictício que ironicamente funciona quase do mesmo jeito que as idols da vida real, vendendo merchandising.

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A cena de idols underground e seus fãs são retratados em um documentário sobre o qual acho que já falei aqui mas falo de novo: Tokyo Idols, também disponível na Netflix assim como Aggretsuko. Recomendadíssimo.

Toda a problemática que envolve o mundo das idols underground aparece em Aggretsuko. O assédio, a vida dura (elas ganham pouco dinheiro), as situações às quais elas se sujeitam. Achei bem instigante a forma como tudo isso é apresentado, sem fugir da reta e também sem pesar a mão num anime que é, inicialmente, leve.

A combinação de j-pop de idol com death metal tem precedentes. E um deles, especificamente, a gente ama: leia mais sobre Babymetal nesse link!

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3_SUBEMPREGO

A ideia de subemprego no Japão é bem mais desenvolvida do que na nossa realidade, você pode imaginar. E é por isso que a gente se identifica tanto com o que é apresentado em Aggretsuko. Com esse pensamento de "poderia ser pior", a gente se esquece o quanto está ruim para todos no geral.
E o que pode ser pior do que ser analista de contabilidade com um chefe assediador? A terceira temporada mostra mais de um exemplo, mas eu queria me atentar ao de Manaka, a líder das OTMGirls, que mantém um emprego paralelo ao seu sonho de idol.

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Confesso que a minha primeira impressão em relação a Manaka não foi das melhores. Não gostei do desenho em si, essa coisa kawaii forçada que geralmente não aparece em Aggretsuko a não ser de forma irônica. E tampouco curti a personalidade dela, meio Regina George. A princípio, ela é antagonista, então faz sentido essa antipatia.
Só que a personagem vai ficando mais complexa e você a entende melhor. Manaka trabalha em konbini, aquelas lojinhas de conveniência que são parte inerente da cultura urbana japonesa.

FamilyMart, uma das muitas marcas de konbini

FamilyMart, uma das muitas marcas de konbini

Trabalhar em konbini é um subemprego no Japão: paga-se pouco e você tem um vínculo empregatício bem "elástico” para dizer o mínimo. As pessoas enxergam esses trabalhadores com maus olhos: são mal-sucedidos e, para eles, provavelmente a culpa é deles mesmos. Numa lógica neoliberal, se eles se esforçassem, se dariam melhor. Um bom jeito de entender esse universo dos trabalhadores de konbini é lendo o livro Querida Konbini, da Sayaka Murata, que tem tradução em português (da Rita Kohl) em edição brasileira da Estação Liberdade.

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A protagonista dessa história, Keiko Furukura, é o que seria considerada "socialmente esquisita” por geral. Tem 35 anos, nunca namorou, segue trabalhando numa konbini sem ambições. A história é cáustica a respeito dos valores da sociedade. E eu adoro histórias assim!
Quais são as implicações da falta de ambição? O que você deveria valorizar mais na sua vida?

4_Uma metáfora sobre o amadurecimento e…

(Leia esse subtítulo de maneira afetada)
Aggretsuko é isso: sobre as agruras da vida adulta. Ou seja: maravilhoso para millennials que adoram reclamar. Falta um pedaço dessa trama para tudo ficar completo, né? O amor. Ou melhor: a fantasia do amor. Aggretsuko trata do tema assim mesmo, de maneira praticamente desesperançosa. Acho ousado e bom. Fantasias românticas são destruídas de maneira sistemática, sem dó. Existe a possibilidade de um encontro de almas? Até que sim, mas não é simples nem duradouro.
Mas também não espere por algo muito cabeçudo. Vou dar um exemplo: a terceira temporada começa com Retsuko investindo em um relacionamento com um namorado virtual em uma espécie de jogo que usa óculos de VR. Investindo literalmente: ela acaba gastando muito do seu salário baixo nele.
Isso não soa impossível nos dias de hoje. Muito pelo contrário.

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Histórias fictícias sobre amadurecimento geralmente tem um defeito: presume-se que o amadurecimento é um fim, e quando se chega ao fim, a história termina. Aggretsuko é mais realista: amadurecimento não é um estágio final e duradouro. Para o millennial, ele é que nem a felicidade: aparece pouco, some logo e é instável.

5_Um quadro completo e complexo

A cada temporada, mais personagens aparecem. E eles todos possuem mais dimensões do que a gente normalmente encontra em desenhos animados. Cada um possui uma história e trajetória próprias. Uma das minhas preferidas é a Gori.

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Existe um problema em Gori, a personagem gorila, já apontado por pessoas com muito mais lugar de fala que eu. Só que ele é bem complexo. Na dublagem para o inglês, a voz de Gori é de uma mulher afro-americana, o que reforça o ponto. Assisto no áudio original com legenda, portanto para mim a coisa é mais sinuosa: não acho que é blackface. Sempre vi a Gori como uma japonesa, assim como todos os outros personagens que são animais humanizados. Enquanto a personagem não se identificar claramente como negra na trama, não vejo isso como problema. No fundo, dado o racismo da sociedade japonesa, o "raciocínio-padrão" entre muitas aspas seria não imaginá-la como de outra raça que não seja amarela, dada a sua posição bem-sucedida em uma empresa.
No texto que linkei, a autora do post fala sobre simbologias nas falas. Então é mais uma questão de direção de dublagem – Gori para mim é o estereótipo de executiva japonesa bem sucedida e solteirona, que se dedicou ao trabalho e esqueceu da vida pessoal. Não deixa de ser problemático, mas é oooooutra coisa.

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A terceira temporada de Aggretsuko está no ar na Netflix.

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September 02, 2020 /Jorge Wakabara
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